segunda-feira, 31 de janeiro de 2011

Por um ato

Estava tudo silencioso na casa mas alguém quebrou a criança,
alguém partiu ela em pedaços
e nada vai fazer com que esses pedaços
voltem a formar algo que havia antes.
Lá fora, a chuva ameaça pouco, ela procura por uma dor maior
porque sabe que pode suportar
porque já sentiu tanto que achava que não aguentaria
e aguentou firme
todos os aniversários
todos os natais em familia celebrando coisas felizes
e em sua cabeça nada fazia sentido
diante do espelho vendo tudo mudar
vendo os anos passarem como uma avalanche
que acaba com possibilidades
mas não é a avalanche que acaba com tudo
e sim suas lembranças frias, sua parte criança
defeito por nascer menina,
pré disposta a todo tipo de ato do próximo.
Ela sabe que pode falar tudo quando quiser
ela pode acabar com toda graça
mas não faz por opção,
omitindo e se transformando numa estranha
porque ninguém olha pra dentro, antes, sempre pra fora.
As dores que inventa quando sai de casa são como flores
que nunca ganhou,
permitem que ela sinta seu corpo como algo que existe
com força, com tanta força que se esconde depois que passa
pra que ela possa voltar a ser uma menina como outras por ai sem identidade,
e leva consigo além de marcas, seu olhar vazio e perdido
que sabe disfarçar bem com maquiagem barata
e umas palavras pra mais tarde sozinha na cozinha da sua casa grande
triste e fria.
Estava tudo em silencio mas alguém quebrou a criança. Jamais foi alguém por um ato.

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