segunda-feira, 6 de fevereiro de 2012

Uma Severina entre tantas



Muitas Severinas nas portas de suas casas de barro
Lavram, lavam, criam sem saber o significado da palavra perspectiva
Ardem no céu claro com sua pele queimada nesse sol
que castiga
Filhos de barrigas grandes
pernas magras, pés descalços acostumados ao chão batido,
uma infância que parece boa até a segunda página
quando lhe falta no estomago
quando lhe falta nos braços uns cadernos e lápis
quando lhe falta no corpo a imagem da criança...
Severina não mastiga muito, faltam dentes
faltam alimentos,
e sua barriga vazia guarda abaixo no útero ocupado
um filho na metade
pequeno como todos quando estão ainda lá
mas diferente num ponto: falta-lhe o cérebro.
E Severina analfabeta sertaneja
já tem filhos para cuidar, para levar consigo até onde a vida puder chegar
espera decisões que não lhe cabe tomar sozinha
porque sua palavras não podem ser as que devem ser ouvidas e levadas a sério primeiro,
antes disso tem as leis, o Governo e a burocracia...
Severina mulher nova, rosto antigo, deseja interromper essa história, uma tragédia anunciada que ninguém quer saber como vai acabar
mesmo sabendo que sempre acaba com morte
começa com morte
Bebe natimorto.
E no caminho da maternidade Severina não vê saída
 está lá, umas mãos a ajudam
mas ela quer logo sair
voltar pra casa, sua realidade que é assaltada por um período curto/longo
de 8 meses
que sabe, não vai dar em nada.

Severina quadril expandindo
Severina doendo
Severina não pensando

E silêncio.
Severina sabe o que vem depois.

Silêncio.

Severina lembra do berço que não comprou
e que não precisaria
das roupinhas que não pode comprar
porque ninguém usaria

Partida, partida.
Pariu uma morte que não deseja ver
Pariu uma morte que sabia ser inevitável
Pariu o silêncio
e todos aplaudem
Todos aplaudem.

Severina no lugar de berço deu caixão
Severina no lugar dela não tem escolha senão seguir
não teve escolha senão parir
não tem escolha senão obedecer.






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